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Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.
“E dizia Jesus: Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.”
Lucas 23:34
Nosso Senhor estava suportando naquele
exato momento as primeiras dores da crucificação; os verdugos acabaram de meter
os cravos em Suas mãos e pés. Além disso, Ele deve ter ficado grandemente deprimido
e reduzido a uma condição de extrema debilidade pela agonia. da noite no
Getsemani, e pelos açoites e as cruéis zombarias que tinha suportado de Caifás,
de Pilatos, de Herodes e dos guardiões pretorianos no decorrer de toda aquela
manhã. No entanto, nem a debilidade do passado nem a dor do presente impediram
que Jesus continuasse em oração. O cordeiro de Deus guardava silêncio com os
homens, mas não com Deus. Emudeceu como ovelha diante de Seus tosquiadores, e
não tinha nem uma palavra a dizer em defesa própria diante de homem algum, mas
continuava clamando a Seu Pai em Seu coração, e nem a dor nem a debilidade
podem calar Suas santas súplicas. Amados, que grande exemplo nosso Senhor nos
apresenta nesse ponto! Temos de continuar em oração enquanto nosso coração
palpite; nenhum excesso de sofrimento deve nos apartar do trono da graça, mas antes
deve nos aproximar dele – “os cristãos devem orar no tanto que vivam, Pois só
quando oram, vivem” Deixar de orar é renunciar às consolações que nosso caso
requer. Em todas as perturbações do espírito e opressões do coração, grandioso Deus,
ajuda-nos a seguir orando, e que nossas pisadas, levadas pelo desespero, não se
afastem jamais do propiciatório. Nosso bendito Redentor perseverou em oração
ainda quando o ferro cruel rasgava Seus sensíveis nervos e os repetidos golpes
do martelo faziam que Seu corpo todo tremesse com angústia; e essa perseverança
se explica pelo fato de que tinha um hábito tão imaculado de orar que não podia
deixar de fazê-lo; Ele tinha adquirido uma poderosa velocidade de intercessão
que o impedia de se deter. Essas longas noites na fria borda do monte, os
muitos dias que tinha passado em solidão, essas perpétuas aspirações que
costumava elevar aos céus, todas essas coisas tinha desenvolvido Nele um hábito
tão arraigado que nem mesmo os mais severos tormentos podiam deter sua força.
No entanto, era algo mais que um hábito.
Nosso Senhor foi batizado no espírito de oração; esse espírito vivia Nele;
tinha chegado a ser um elemento de Sua natureza. Ele era como essa preciosa
espécie de árvore que, ao ser cortada pelo machado, não deixa de exalar seu
perfume e que, de fato, produz com maior abundância devido aos golpes, já que não
é uma qualidade externa e superficial, mas uma virtude interior essencial a Sua
natureza, que é extraída pelos golpes que fazem com que revele Sua alma secreta
de doçura. Como um feixe de mirra produz aroma ou como os pássaros cantam porque
não sabem fazer outra coisa, assim Jesus também ora. A oração cobria Sua
própria alma como se fosse um manto, e Seu coração saia vestido dessa forma. Eu
repito que esse deve ser nosso exemplo e não devemos jamais cessar de orar, sob
nenhuma circunstância, por grande que seja a severidade da tribulação ou por
mais deprimente que seja a dificuldade. Ademais, observem na oração que estamos
considerando que nosso Senhor permanece no vigor da fé quanto a Sua condição de
Filho. A extrema prova à qual se submetia agora não podia impedir que se apegasse
firmemente a sua condição de Filho. Sua oração começa assim: ―Pai‖. Não foi
algo desprovido de significado que nos ensinasse a dizer quando oramos: ―Pai
nosso‖, pois nosso predomínio na oração dependerá muito de nossa confiança em
nossa relação com Deus.
Sob o peso de grandes perdas e cruzes, um
é propenso a pensar que Deus não está tratando conosco como um pai com seu
filho, mas sim mais bem como um juiz severo com um criminoso condenado; porém,
o clamor de Cristo, quando é conduzido ao extremo que nós jamais experimentaremos,
não delata nenhuma vacilação no espírito de Sua condição de Filho. Quando o
suor sangrento caía rapidamente sobre o chão no Getsêmani, Seu clamor mais
amargo começou assim: ―meu Pai‖, pedindo que se fosse possível, o cálice de fel
passasse dEle; argumentava com o Pai como Seu Pai, tal como o chamou uma e
outra vez naquela escura e doída noite. Aqui disse outra vez, nessa, a primeira
das sete palavras pronunciadas quando expirava: ―Pai. Ó, que o Espírito que nos
faz clamar: ―Aba, Pai‖ não deixe nunca Suas operações! Que nunca sejamos
conduzidos à servidão espiritual pela sugestão: ―se és Filho de Deus‖; ou se o
tentador nos assedia que possamos triunfar como Jesus o fez no deserto faminto.
Que o Espírito que clama: ―Aba, Pai‖, expulse cada medo incrédulo. Quando somos
disciplinados, como temos de ser (porque que filho é aquele a quem o pai não
disciplina?), que possamos estar em uma amorosa sujeição ao Pai de nossos
espíritos, e viver, mas que nunca nos voltemos cativos do espírito de servidão
para duvidar do amor de nosso clemente Pai e de nossa porção de Sua adoção. Mais
notável, porém, é o fato de que a oração de nosso Senhor a Seu Pai não pedia
algo para Si mesmo. É certo que na cruz Ele continuou orando por Si mesmo, e
que Sua oração de lamento: ―Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?‖,
mostra a personalidade de Sua oração; mas a primeira das sente grandiosas
palavras pronunciadas desde a cruz não possui nem sequer uma escassa referência
indireta a Si mesmo. Diz: ―Pai, perdoa-lhes‖. A petição é inteiramente para
outros, e ainda que exista uma alusão às crueldades que estavam sendo aplicadas
a Ele, ela é, no entanto, muito remota; e vocês observarão que não diz: ―eu os
perdoo‖ – isso é tido como certo – parece perder de vista o fato de que lhe
estavam fazendo dano; em Sua mente está o mal que eles estavam fazendo ao Pai,
o insulto que estavam lançando ao Pai na pessoa do Filho; não pensa em Si mesmo
em nada. O clamor: ―Pai, perdoa-lhes‖, é completamente desinteressado. Ele
próprio é, na oração, como se não fosse; tão completa é sua auto aniquilação
que perde devista Sua pessoa e Suas aflições.
Meus irmãos, se houvesse tido um tempo na
vida do Filho do Homem quando este poderia ter confinado rigidamente Sua oração
para Si mesmo, sem merecer nenhuma critica por fazê-lo, seguramente teria sido
quando Suas angústias de morte estavam começando. Se um homem fosse submetido à
fogueira ou cravado em uma cruz, não poderia assombrar-nos se sua primeira oração,
e inclusive a última, e todas as suas orações fossem petições pessoais de apoio
contra uma atribulação tão árdua. Porém, vejam, o Senhor Jesus começou pedindo
por outros. Vocês não veem que grandioso coração é aqui revelado? Que alma de
compaixão existia no Crucificado! Que semelhante a Deus, que divino! Alguma vez
já houve alguém antes dEle que, ainda nas próprias dores da morte, oferecesse
como sua primeira oração uma intercessão por outros? Esse mesmo espírito de
abnegação deve estar em vocês também, meus irmãos. Que ninguém olhe por suas
próprias coisas, antes, todo homem deve mirar pelas coisas dos demais. Amem a
seus semelhantes como a vocês mesmos, e como Cristo colocou diante de vocês
esse excelente modelo de abnegação, procurem seguir-lhe pisando sobre Seus
passos.
No entanto, existe uma jóia suprema nesse
diadema do glorioso amor. O Sol da Justiça se oculta no Calvário em um
maravilhoso esplendor; mas em meio das brilhantes cores que glorificam Sua
partida, existe uma em particular: a oração não era só pelos outros, mas sim
que pedia por Seus mais cruéis inimigos. Seus inimigos, disse, porém deve-se considerar
algo mais. Não era uma oração por inimigos que lhe tinham feito um mal anos
antes, mas sim era por aqueles que estavam ali o assassinando, nesse exato
momento. Não foi a sangue frio que o Salvador orou, mas orava enquanto as
primeiras gotas vermelhas de sangue manchavam as mãos que metiam-lhe os cravos,
quando o martelo estava ainda salpicado de coágulos de cor carmesim, Suas boca bendita
pronunciava a fresca e quente oração; ―Pai, perdoa-os porque não sabem o que
fazem‖. Digo também que essa oração não estava limitada a Seus verdugos imediatos.
Eu creio que era uma oração de grande alcance que incluía aos escribas e aos
fariseus, a Pilatos e a Herodes, aos judeus e aos gentios, sim, a toda raça
humana em certo sentido, pois todos nós estávamos envolvidos nesse assassinato;
mas certamente as pessoas imediatas, sobre as quais foi pronunciada essa oração
como precioso perfume de nardo, eram aquelas que estavam ali naquele momento cometendo
o ato brutal de cravá-lo no madeiro maldito.
Que sublime é essa oração quando é
considerada a partir desse enfoque! Ela é única e está sobre um monte de glória
solitária. Nenhuma outra oração como essa tinha sido orada antes. É certo que Abraão,
Moisés e os profetas tinham orado pelos malvados; porém, não por homens
perversos que tinham perfurado suas mãos e pés. É certo que os cristãos
ofereceram essa mesma oração daquele dia em diante, tal como Estevão clamou:
―não lhes tome em conta esse pecado‖; e as últimas palavras de muitos mártires
na fogueira foram essas palavras de piedosa intercessão por seus perseguidores;
mas vocês sabem de onde aprenderam isso. Mas deixem-me perguntar-lhes: onde Ele
a aprendeu? Não foi Jesus o original divino? Ele não a aprendeu de nenhuma
parte; isso brotou de Sua própria natureza semelhante a Deus. Uma compaixão
peculiar para Si mesmo ditou a originalidade dessa oração; a íntima realeza de
Seu amor lhe sugeriu uma intercessão tão memorável que pode nos servir de
modelo, porém da qual não existia nenhum modelo antes. Penso que seria melhor
que eu me ajoelhasse nesse momento diante da cruz de meu Senhor em vez de estar
parado neste púlpito dirigindo-me a vocês. Quero adorar-lhe, quero venerar-lhe
no coração por essa oração; ainda que não conhecesse nada mais exceto essa
oração, devo adorar-lhe, pois essa súplica sem par pedindo misericórdia me
convence da deidade de quem a ofereceu, de maneira sumamente contundente, e
enche meu coração de reverente afeto.
Dessa forma lhes apresentei a primeira
oração vocal de nosso Senhor na cruz. Agora, com a ajuda do Espírito Santo de
Deus, irei dar uma aplicação. Primeiro, a veremos como uma oração ilustrativa
da intercessão de nosso Salvador; em segundo lugar, consideraremos o texto como
instrutivo para a obra da igreja; em terceiro lugar, a consideraremos como
sugestiva para os não convertidos.
Ev. Leandro Ricardo Ribeiro Dos Santos Souza