John Wycliffe (ou Wyclif) (1320
— 31 de dezembro 1384) foi professor da Universidade de Oxford,
teólogo e reformador religioso
inglês, considerado precursor das reformas religiosas que sacudiram a Europa
nos séculos XV e XVI (ver: Reforma Protestante).
Trabalhou na primeira tradução da Bíblia para o idioma inglês, que ficou conhecida como a Bíblia de Wycliffe.
|
Família e Infância
Sua família era tradicional na região de Yorkshire,
sendo que, à época do seu nascimento as propriedades familiares cobriam amplo
território nas redondezas de Ipreswell (hoje Hipswell),
seu local de nascimento. Não há certeza sobre o ano de seu nascimento, um dos
anos mais citados é 1320, mas há variações de 1320 a 1328. Não se sabe, ainda,
o ano em que ele foi enviado pela família para estudar na Universidade de Oxford,
mas há certeza de que estava lá desde pelo menos 1345.
Em Oxford
Na Universidade, aplicou-se nos estudos de teologia, filosofia e
legislação canônica. Tornou-se sacerdote e depois serviu como professor no
Balliol College, ainda em Oxford. Por volta de 1365 tornou-se bacharel em
teologia e, em 1372, doutor em teologia.
Como teólogo, logo destacou-se pela firme defesa dos interesses
nacionais contra as demandas do papado, ganhando reputação de patriota e
reformista. Wycliffe afirmava que havia um grande contraste entre o que a
Igreja era e o que deveria ser, por isso defendia reformas. Suas idéias
apontavam a incompatibilidade entre várias normas do clero e os ensinos de
Jesus e seus apóstolos.
Uma destas incompatibilidades era a questão das propriedades e da
riqueza do clero. Wycliffe queria o retorno da Igreja à primitiva pobreza dos
tempos dos evangelistas, algo que, na sua visão, era incompatível com o poder
temporal do papa e dos cardeais. Logo, a cátedra deixou de ser o único meio de
propagação de suas idéias, ao iniciar a escrita de seu trabalho mais
importante, a Summa theologiae. Entre as idéias mais revolucionárias
desta obra, está a afirmação de que, nos assuntos de ordem material, o rei está
acima do papa e que a Igreja deveria renunciar a qualquer tipo de poder
temporal. Sua obra seguinte, De civili dominio, aprofunda as críticas ao
Papado de Avignon
(onde esteve a sede da Igreja de 1309 até 1377), com seu sistema de venda de
indulgências e a vida perdulária e luxuosa de padres, bispos e religiosos
sustentados com dinheiro do povo. Wycliffe defendia que era tarefa do Estado
lutar contra o que considerava abusos do papado. A obra contém 18 teses, que
vieram a público em Oxford em 1376.
Suas idéias espalharam-se com grande rapidez, em parte pelos interesses
da nobreza em confiscar os bens então em poder da igreja. Wycliffe pregava nas
igrejas em Londres e sua mensagem era bem recebida.
A oposição da Igreja
Apesar de sua crescente popularidade, a Igreja apressou-se em censurar
Wycliffe. Em 19 de fevereiro de 1377, Wyclif é intimado a apresentar-se diante
do Bispo de Londres para explanar-lhe seus ensinamentos. Compareceu acompanhado
de vários amigos influentes e quatro monges foram seus advogados. Uma multidão
aglomerou-se na igreja para apoiar Wycliffe e houve animosidades com o bispo.
Isto irritou ainda mais o clero e os ataques contra Wycliffe se intensificaram,
acusando-o de blasfêmia, orgulho e heresia. Enquanto isso, os partidos no
Parlamento inglês pareciam convictos de que os monges poderiam ser melhor
controlados se fossem aliviados de suas obrigações seculares.
É importante lembrar que, neste período, desenrolava-se a Guerra dos Cem Anos
entre a França e a Inglaterra. Na Inglaterra daquele tempo, tudo que era
identificado como francês era visto como inimigo e nessa visão se incluiu a
Igreja, pois havia transferido sua sede de Roma
para Avignon, na França. A elite inglesa (realeza,
parlamento e nobreza) reagia à idéia de enviar dinheiro aos papas, esta era uma
atitude vista como ajuda ao sustento do próprio inimigo. Neste ambiente hostil
à França e à Igreja, um teólogo como Wyclif desfrutou quase imediatamente de
grande apoio, não apenas político, como também popular, despertando o
nacionalismo inglês.
Em 22 de maio de 1377, o Papa Gregório XI,
que em janeiro havia abandonado Avignon para retornar a sede da Igreja a Roma,
expediu uma bula contra Wycliffe, declarando que suas 18 teses eram errôneas e
perigosas para a Igreja e o Estado. O apoio de que Wycliffe desfrutava na corte
e no parlamento tornaram a bula sem efeito prático, pois era geral a opinião de
que a Igreja estava exaurindo os cofres ingleses.
Poder Real X Poder Eclesiástico
Bases
|
|
Pessoas
|
|
Mártires · John
Wycliffe · William Tyndale · Henrique VIII · Thomas Cranmer · Thomas Cromwell · Isabel I · Richard Hooker · William Laud · Carlos I · Santos
|
|
Liturgia e Culto
|
|
Organização
|
|
Comunhão Anglicana
Instrumentos da Comunhão: Arcebispo da Cantuária · Conferências de Lambeth · Encontros das Primazes · Conselho Consultivo Anglicano |
Ao mesmo tempo em que defendia que a Igreja deveria retornar à primitiva
pobreza dos tempos apostólicos, Wycliffe também entendia que o poder da Igreja
devia ser limitado às questões espirituais, sendo o poder temporal exercido
pelo Estado, representado pelo rei. Seu livro De officio regis defendia
que o poder real também era originário de Deus, encontrava testemunho nas
Escrituras Sagradas, quando Cristo aconselhou "dar a César o que é de
César". Era pecado, em sua opinião, opor-se ao poder do rei e todas as
pessoas, inclusive o clero, deveriam pagar-lhe tributos. O rei deve aplicar seu
poder com sabedoria e suas leis devem estar de acordo com as de Deus. Das leis
de Deus se deriva a autoridade das leis reais, inclusive daquelas em que o rei
atua contra o clero, porque se o clero negligencia seu ofício, o rei deve
chama-lo a responder diante de si. Ou seja, o rei deve possuir um
"controle evangélico" e quem serve à Igreja deve submeter-se às leis
do Estado. Os arcebispos ingleses deveriam receber sua autoridade do rei (não
do papa).
Este livro teve grande influência na reforma da Igreja, não apenas na
Inglaterra, que sob Henrique VIII passaria a ter a igreja subordinada ao Estado e o rei como chefe da
Igreja, mas também na Boêmia e na Alemanha. Especialmente interessantes são
também os ensinamentos que Wycliffe endereça aos reis, para que protejam seus
teólogos. Ele sustentava que, já que as leis do rei devem estar de acordo com
as Escrituras, o conhecimento da Bíblia é necessário para fortalecer o
exercício do poder real. O rei deveria cercar-se de teólogos para aconselha-lo
na tarefa de proclamar as leis reais.
Wycliffe e o papado
Os escritos de Wycliffe em seus seis últimos anos incluem contínuos
ataques ao papado e à hierarquia eclesiástica da época. Nem sempre foi assim,
entretanto. Seus primeiros escritos eram muito mais moderados e, à medida que
as relações de Wyclif com a Igreja foram se deteriorando, os ataques cresceram
em intensidade.
Na questão relacionada ao cisma da Igreja, com papas reivindicando em
Roma e Avignon a liderança da Igreja, Wycliffe entendia que o cristão não
precisa de Roma ou Avignon, pois Deus está em toda parte. "Nosso papa é o
Cristo", sustentava. Em sua opinião, a Igreja poderia continuar existindo
mesmo sem a existência de um líder visível, por outro lado os líderes poderiam
surgir naturalmente, desde que vivessem e exemplificassem os ensinamentos de
Jesus.
Contra as Ordens Monásticas
A batalha de Wycliffe contra as ordens monásticas (que ele chamava de
"seitas") iniciou-se por volta de 1377 e alongou-se até sua morte.
Wycliffe afirmou que o papado imperialista era suportado por estas
"seitas", que serviam ao domínio do papa sobre as nações daquele
tempo. Em vários de seus escritos, como Trialogus, Dialogus, Opus
evangelicum e alguns sermões, Wycliffe dizia que a Igreja não necessitava
de novas "seitas" e que eram suficientes os ensinos dos três
primeiros séculos de existência da Igreja. Defendia que as ordens monásticas
não eram suportadas pela Bíblia e deveriam ser abolidas, junto com suas
propriedades. O povo então se insurgiu contra os monges e podemos observar os
maiores efeitos dessa insurreição na Boêmia, anos mais tarde, com a revolução
hussita. Na Inglaterra, entretanto, o resultado não foi o esperado por
Wycliffe: as propriedades acabaram nas mãos dos grandes barões feudais.
A Bíblia Inglesa
John Wycliffe entrega a tradução da Bíblia aos padres, que ficaram
conhecidos como lolardos. (quadro de William Frederick
Yeames). Wyclif organizou um projeto de tradução das Escrituras, defendendo que
a Bíblia deveria ser a base de toda a doutrina da Igreja e a única norma da fé
cristã. Sustentava que o papa ou os cardeais não possuíam autoridade para
condenar suas 18 teses, pois Cristo é a cabeça da Igreja e não os papas.
"A verdadeira autoridade emana da Biblia, que contém o suficiente
para governar o mundo", cita Wycliffe em seu livro De sufficientia
legis Christi. Wycliffe afirmava que na Bíblia se encontra a verdade, a
fonte fundamental do Cristianismo e que, por isso, sem o conhecimento da Bíblia
não haveria paz na Igreja e na sociedade. Com isso, contrapunha a autoridade
das escrituras à autoridade papal: "Enquanto temos muitos papas e
centenas de cardeais, suas palavras só podem ser consideradas se estiverem de
acordo com a Bíblia". Idêntico princípio seguiria Lutero mais de 100 anos depois, ao liderar a Reforma Protestante.
Wycliffe acreditava que a Bíblia deveria ser um bem comum de todos os
cristãos e precisaria estar disponível para uso cotidiano, na língua nativa das
populações. A honra nacional requeria isto, desde quando os membros da nobreza
passaram a possuir exemplares da Bíblia em língua francesa. Partes da Bíblia já
haviam sido traduzidas para o inglês, mas não havia uma tradução completa.
Wycliffe atribuiu a si mesmo esta tarefa. Embora não se possa definir
exatamente a sua parte na tradução (que foi baseada na Vulgata), não há dúvidas
de que foi sua a iniciativa e que o sucesso do projeto foi devido à sua
liderança. A ele devemos a tradução clara e uniforme do Novo Testamento,
enquanto seu amigo Nicholas de Hereford traduziu o Antigo Testamento. Ambas as
traduções foram revisadas por John Purvey em 1388, quando então a população em
massa teve acesso à Bíblia em idioma inglês, ao mesmo tempo que se ouvia dos
críticos: "a jóia do clero tornou-se o brinquedo dos leigos".
Mas, cabe fazer algumas ressalvas. Durante a Idade Média os livros eram
raros e caros por serem feitos à mão, a Bíblia não era exceção. O uso exclusivo
do Latim era comum a todos os livros dado a universalidade da língua e o seu
reconhcimento erudito e intelectual na Europa Ocidental, regra válida também
para a Bíblia. A tradução de Wycliffe da Bíblia para o inglês pode ser
entendida como mais movida pelo nacionalismo inglês e menos por uma inclinação
popular de democratização de acesso. Os pobres continuaram sem ter acesso a
mesma por dois motivos: o primeiro é que era cara por sua confecção ainda
manual e segundo o povo continuava analfabeto. A grande difusão da Bíblia só
foi de fato possível com a invenção da imprensa no século XV e a
universalização da educação a partir do século XIX. Então, somente após o século
XIX reuniram-se as condições para a Bíblia se tornar um livro popular.
Apesar do empenho da hierarquia eclesiástica em destruir as traduções em
razão do que consideravam como erros de tradução e comentários equivocados,
ainda existem ao redor de 150 manuscritos, parciais ou completos, contendo a
tradução em sua forma revisada. Disso podemos inferir o quão difundida essa
tradução foi no século XV, razão pela qual os partidários de Wyclif eram
chamados de "homens da Bíblia" por seus críticos. Assim como a versão
de Lutero teve grande influência sobre a língua alemã, também a versão de
Wycliffe influenciou o idioma inglês, pela sua clareza, força e beleza.
A Bíblia de Wycliffe, como passou a ser conhecida, foi amplamente
distribuída por toda a Inglaterra. A Igreja a denunciou como uma tradução não
autorizada.
Wycliffe e os lolardos
Contrário à rígida hierarquia eclesiástica, Wycliffe defendia a pobreza
dos padres e os organizou em grupos para divulgar os ensinos de Cristo. Estes
padres (mais tarde chamados de "lolardos") não faziam votos nem recebiam consagração formal, mas dedicavam
sua vida a ensinar o Evangelho ao povo. Estes pregadores itinerantes espalharam
os ensinos de Wycliffe pelo interior da Inglaterra, agrupados dois a dois, de
pés descalços, usando longas túnicas e carregando cajados nas mãos.
Em meados de 1381 uma insurreição social amedrontou os grandes
proprietários ingleses e o rei Ricardo II foi levado a crer que os lolardos
haviam contribuído com ela. Ele ordenou à Universidade de
Oxford (que havia sido reduto de líderes insurretos) que expulsasse Wyclif e
seus seguidores, apesar destes não haverem apoiado qualquer movimento rebelde.
O rei proibiu a citação dos ensinos de Wycliffe em sermões e mesmo em
discussões acadêmicas, sob pena de prisão para os infratores.
Início do Evangelho de João,
em uma cópia da tradução para o inglês da Bíblia de Wycliffe
Wycliffe então se retirou para sua casa em Lutterworth, onde reuniu
sábios que o auxiliaram na tarefa de traduzir a Bíblia do latim para o inglês.
Enquanto assistia à missa em Lutterworth, no dia 28 de dezembro de 1384, foi acometido por um ataque de apoplexia, falecendo 3 dias depois, no
último dia do ano.
Exumação e cremação dos ossos
de John Wycliffe.
A influência dos escritos de Wyclif foi muito grande em outros
movimentos reformistas, em particular sobre o da Boêmia, liderado por Jan
Huss e Jerônimo de Praga. Para frear tais movimentos, a Igreja convocou o Concílio de Constança (1414 – 1418). Um decreto deste Concílio (expedido em 4
de maio de 1415) declarou Wycliffe como
herético, recomendou que todos os seus escritos fossem queimados e ordenou que
seus restos mortais fossem exumados e queimados, o que foi cumprido 12 anos
mais tarde pelo Papa Martinho V. Suas
cinzas foram jogadas no rio Swift, que banha Lutterworth.
Ev. Leandro Ricardo Ribeiro Dos Santos Souza
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixa Deus usar você.